Mat?rias
•REVISTA ABIGRAF, 2006
FABIO COLOMBINI – A EXUBERÂNCIA DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA
A reverência à natureza e a seus mistérios tomou-lhe primeiro, ainda na infância. A fotografia veio depois, como resposta ao desejo urgente de compartilhar o que via. Tanto assim que Fabio Colombini atuou como amador durante oito anos antes de se profissionalizar, em 1988, período no qual completou sua formação acadêmica em arquitetura pela Universidade de São Paulo. Na USP era assíduo freqüentador da biblioteca de Zoologia e, muito mais do que revistas de arquitetura, as que o atraíam eram as de fotografia.
Tal dedicação faz dele, hoje, um dos nomes mais lembrados na fotografia de natureza, com especial destaque para a macrofotografia de insetos. Em seu fotoarquivo, há nada menos que 40 mil imagens – 16 mil delas disponíveis para pesquisas on-line -, todas cuidadosamente identificadas e catalogadas em virtude de acervo compor seu principal vínculo com o mercado, seja ele editorial ou publicitário. Seu trabalho ilustra mais de mil livros, entre obras didáticas, institucionais e de arte, além de inúmeras revistas, campanhas publicitárias e mais de 80 calendários, no Brasil e no Exterior. Esses números impressionam e podem nos levar a pensar que Fabio praticamente já esquadrinhou todo o País. Ele está perto disso, contudo o mercado exige um banco de imagens atualizado, levando o fotógrafo a passar mais da metade do ano viajando para registrar exclusivamente assuntos ligados à fauna, flora e paisagens brasileiras. “Realizo também projetos sob encomenda, mas o que orienta minhas viagens são temas mais difíceis, que ainda não abordei, como as baleias jubarte e regiões como Rondônia, Acre e Amapá”.
COMO OS ANIMAIS
Nessas andanças, muita paciência, perseverança, respeito à natureza e a seu ritmo, preparo físico e várias histórias. O mergulho na biodiversidade do local escolhido começa, na verdade, bem antes, com o estudo minucioso da região e de suas espécies animais e vegetais. É preciso entender o comportamento dos animais, conhecer o período de reprodução e os hábitos alimentares, sem contar a previsão do tempo e as condições climáticas, que influenciam decisivamente as reações de bichos e mesmo plantas. “Pensando na luz, os melhores horários para fotografar são pela manhã e no final do dia. Se o dia está nublado, é interessante clicar os animais, sendo que os insetos gostam de calor. Se está claro, é hora de retratar paisagens, e depois da chuva as plantas ficam mais bonitas!” A aproximação é sempre lenta, procurando demonstrar desinteresse e integração ao meio ambiente. Para fotografar borboletas, por exemplo, Fabio balança ao sabor do vento. Já com mamíferos, como o veado-campeiro, encontrado no cerrado, funciona agir como um herbívoro, rastejando, deitando no chão e fingindo que está comendo capim. De um comportamento inverso, bem mais agressivo, Fabio teve de lançar mão numa de suas visitas ao Parque das Emas, em Goiás. “Estava fotografando estrelas, o que exige um tempo de exposição longo, para que a máquina capte o traçado dos astros. De repente, naquele breu, percebi a aproximação de um animal, rosnando e latindo, provavelmente irritado pelo fato de eu ter invadido seu território. Em segundos pensei: ‘Cachorros são proibidos por aqui. Que bicho será? Se eu correr, ele vai pensar que é uma presa e se lançará atrás de mim’. Decidi usar a estratégia que inúmeras espécies utilizam quando ameaçadas. Gritei, fazendo um barulho ainda maior, e fiz um movimento como se fosse avançar sobre ele. Para minha sorte o bicho saiu correndo.” Na manhã seguinte, conversando com a equipe do parque, o fotógrafo descobriu que tivera um encontro com um cachorro-do-mato-vinagre, espécie rara e carnívora, ameaçada de extinção.
Os equipamentos também mudam com o tema. A macrofotografia, técnica de realizar fotografias de tamanho maior que o natural, útil na reprodução de insetos, requer objetivas macro – projetadas para se obter o máximo de nitidez, destacando os mínimos detalhes -, lentes de aproximações e outros apetrechos especiais. Para animais dos quais não é possível se aproximar muito, como os de grande porte, a opção são as teleobjetivas, lentes que aumentam o tamanho da imagem e que chegam a pesar oito quilos. Adepto da marca japonesa Pentax, Fabio comenta que a tecnologia digital tem facilitado seu dia-a-dia, libertando-o dos limites do filme, principalmente em trabalhos mais simples, que não exigem maiores ampliações. Mas a técnica convencional ainda predomina pela qualidade, sobretudo na reprodução das cores.
O que não se altera, porém, é a atenção dispensada à estética. Sejam paisagens, sejam fotografias arquitetônicas, fauna ou flora, o olhar de Fabio busca construir belas imagens por meio da melhor composição de luzes, formas e espaços. E suas escolhas mais recentes poderão ser julgadas com o lançamento do livro NARUREZA BRASILEIRA EM DETALHE, projeto enquadrado na lei de incentivo à cultura e que aguarda patrocínio. Ele reúne 120 imagens, com ênfase na macrofotografia, quase como um potfolio do profissional. Com textos de Evaristo Eduardo de Miranda, professor da USP e Unicamp e doutor em ecologia, a obra, bem como a exposição, deve ser lançada no segundo semestre deste ano.
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REVISTA PHOTO MAGAZINE, 2009
NATUREZA DE CASA
Espiritualidade, empenho e tecnica são as aliadas de Fabio Colombini, um fotógrafo de natureza especializado na biodiversidade brasileira.
Faz algum tempo, depois que lançou NATUREZA BRASILEIRA EM DETALHE (Metalivros, 2006), Fabio Colombini recebeu um e-mail. Veio de uma francesa e agradecia as fotos publicadas naquele livro. A luz e a beleza das imagens, ela escreveu, amenizaram a opressão do frio e cinzento inverno europeu. Por aqui, alguns consultórios médicos e salas hospitalares também usam obras do fotógrafo paulistano para desanuviar os ambientes, normalmente tensos. Esse insuspeitado lado terapêutico do trabalho de Fabio Colombini, que aprendeu por si a fotografia, é reflexo dos temas que aborda: a exuberância das matas brasileiras, com uma queda toda especial para o mundo em pequena escala dos insetos. Ele é, portanto, um fotógrafo de natureza por excelência.
Cenas harmoniosas captadas por um olhar treinado, atento e respeitoso. Fabio Colombini, 44 anos de idade, desenvolveu suas habilidades bem antes de pensar em disparar uma câmera. Quando garoto, gastava tempo supondo a ciência misteriosa que pregava olhos nas asas das borboletas que voejavam pelo quintal de casa. Fascínio que o perseguiu e foi perseguido por ele, em incursões pelas trilhas da propriedade familiar em Atibaia, no interior paulista. Difícil era vivenciar tantas sensações sem poder partilhá-las. A fotografia, felizmente, viria socorrê-lo.
Contou a favor certo gene familiar. O avô paterno, Ulysses Medeiros, era um engenheiro que gostava de fotografar as florestas de araucária do Paraná e pintava capas de discos. Como morava em Curitiba, o neto pouco o via. Além disso, morreu quando ele tinha apenas oito anos de idade. Mas é tido como influência e, Fabio talvez não tenha pensado nisso na ocasião, quando resolveu vender o terreno que seu Ulysses legou de herança, comprando com parte do dinheiro sua primeira câmera reflex, ele de certa forma o estava homenageando.
No hora de decidir o futuro, Colombini optou pela arquitetura e ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Mas não foram os livros da disciplina que o interessaram durante esse período – nem depois, quando fez alguns anos de publicidade e propaganda na Escola de Comunicações e Artes da USP: a leitura de publicações sobre fotografia e meio ambiente em bibliotecas e livrarias de São Paulo ocupou a maior parte do tempo. “No ano em que fiz cursinho, assisti a uma palestra do fotógrafo pioneiro de natureza Haroldo Palo Jr. Que me incentivou e abriu meu pensamento para a possibilidade de trabalhar com fotografia”, recorda. “Na faculdade, trabalhei na agência de fotos Kino, onde realizei minhas primeiras publicações e ganhei experiência no mercado profissional”.
Se quisermos traduzir em números a trajetória desse fotógrafo, podemos citar que, em 22 anos de carreira, ele produziu imagens para mais de 2600 livros (artísticos, institucionais, didáticos e paradidáticos), cem calendários de grandes empresas e inúmeros guias e revistas nacionais e estrangeiras. E participou de 46 exposições fotográficas. Um novo livro, sobre como fotografar a natureza, está a caminho, pela editora Photos e, outro, sobre jardins botânicos brasileiros, pela Metalivros, sai em dezembro.
Uma característica do seu trabalho: é exclusivamente dedicado à biodiversidade brasileira.“É um privilégio viver aqui e ter à disposição tantos ecossistemas e tão rica fauna e flora. Poderia passar a vida só fotografando os 7% que restaram da Mata Atlântica. De qualquer forma, penso futuramente retratar outros pontos do mundo, como África e Antártida”, diz. Enquanto não amplia o leque, ele continua sendo um fotógrafo de natureza 100% brasileiro. Isso significa que, além de usufruir as delícias, tem que arcar com os custos e dificuldades inerentes à atividade em solo pátrio. A começar pelo preço dos equipamentos, o dobro do praticado fora, pelo menos. E tem mais as despesas de transporte, estradas ruins, falta de segurança... e a burocracia, que torna a vida de quem deseja fotografar as áreas protegidas um inferno. Contra ela, alguns fotógrafos do segmento se uniram e criaram, no Dia Mundial do Meio Ambiente, 5/06, a Associação Brasileira de Fotógrafos de Natureza (Afnatura).
Dificuldade, aliás, é algo que tem tudo a ver com o ramo. Lá em sua distante casa européia, a leitora talvez não se dê conta do quanto custa conseguir aquelas boas imagens. Perseguir a grande foto de um animal em terreno selvagem requer paciência e muita resistência. A floresta costuma ser dura com visitantes indesejados e os bichos não têm motivos para confiar em gente. “Preciso entrar no ritmo da natureza, saber que nem sempre sou bem aceito por ela, esperar pelas estações, pelo clima favorável, pela combinação de assunto, luz, momento, fundo e estar preparado tecnicamente para registrar essa fração de tempo. Ou ainda saber encontrar no meio do caos e de infinitas possibilidades uma posição que consiga transformar uma paisagem cheia de impressões, cheiros, sons, detalhes, numa imagem limitada e bidimensional que consiga arrebatar um observador”, detalha.
Por outro lado, o acaso ajuda, e muito. Como na vez em que, caminhando pelo Pantanal, viu uma sucuri atravessar um descampado. Na verdade, o território era de um bando de pássaros que, para proteger seus ninhos, resolveu espantar a intrusa a bicadas. E tão compenetrados estavam na tarefa, que nem notaram a presença do afortunado fotógrafo. “Consegui uma bela foto graças a essa situação inusitada. Outras fotos dependem do planejamento, como a bioluminescência de larvas de vagalume que habitam as paredes dos cupinzeiros no Parque Nacional das Emas. É um fenômeno muito raro, que ocorre numa época restrita do ano, e de difícil registro, já que a luz que elas produzem é bem tênue”. Entusiasta da macrofotografia, Colombini a situa como especialidade da sua área de atuação, mas com características bem particulares: “Requer abordagem diferente da natureza, pois está tudo numa outra escala”.
De modo geral, fotografar natureza exige empenho. Não só o apuro técnico conta, é preciso aliar ciência e arte. “E questões de beleza são mais sutis, requerem amadurecimento e educação do olhar”, observa o fotógrafo. Porém, os aspectos de ordem prática e estética competem para explicar os êxitos do trabalho de Fabio Colombini com algo que está, literalmente, acima disso. O convívio com a natureza e seus milagres diários deu a ele forte convicção espiritual. Convicção que o faz relacionar ao divino cada aspecto de sua vida. É como se cada foto bem tirada reforçasse sua fé: “A própria fotografia explora essa questão do enxergar além das aparências, ver o que o mundo não vê, enfocar de forma diferente”, explica, com a serenidade de quem, naquilo que faz, encontrou o ponto de equilíbrio: “A espiritualidade é assim, poder enxergar além do material, além do que se pode provar cientificamente, mas que se pode provar com o sentidos. Ver e enxergar, como disse Jesus”.
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REVISTA ÍCARO / VARIG - OUTUBRO DE 1999
TEXTO DE CARLOS MORAES
LIÇÕES DE OLHAR
Nesta primavera, aprenda a ver a natureza, com os olhos de Fabio Colombini, monge e mago da macrofotografia.
Nossa galáxia tem 400 milhões de estrelas e o universo abriga não dez, como até há pouco se pensava, mas 100 milhões de galáxias como ela. Mesmo assim, o fotógrafo Fabio Colombini acha que mais maravilhas se escondem no interior de seu jardim numa asa de borboleta, no casco de um besouro, no detalhe de uma flor, na textura de uma pedra, mesmo nas cores de uma simples lagarta. É só aprender a olhar.
Há 16 anos esse paulistano vem dedicando a metade de sua vida principalmente à macrofotografia, que é a arte de ampliar detalhes ou pequenos objetos, revelar a beleza escondida, o esplendor do ínfimo. Na sua primeira foto, diga-se, a borboleta nem saiu. Sim, ela devia estar por ali, entre galhos e folhas, como naqueles passatempos tipo descubra onde está o coelhinho. Hoje Fabio tem suas fotos publicadas em livros, revistas, anúncios, postais, já inspirou calendários, 32 ao todo, para empresas como Bayer, Caterpillar, Johnsons, Bosch, já participou de 28 exposições e, entre os prêmios recebidos, estão alguns bem importantes, como o da Fuji e o da OEA. Terminou merecendo que, nos Estados Unidos, suas fotos fossem comercializadas pela prestigiosa agência Animals/Earth Scenes. O segredo? Paixão. Porque, como diz, ser macrofotógrafo no Brasil é padecer num paraíso. No Brasil, com tanta mata quentinha, a atlântica, a amazônica e mais o cerrado, a bicharada se expande e se esbalda numa variedade de espantar Noé. Os besouros, por exemplo, que formam a ordem mais exagerada da Terra, com 300 mil espécies, no Brasil chegam a 60 mil. Algumas, verdadeiras jóias vivas. As borboletas e mariposas não ficam atrás. Das 120 mil espécies, temos bem umas 40 mil, e das mais vistosas. É só botar aí nossos pássaros, flores e árvores, que está formado o tal paraíso que tanto alucina os fotógrafos.
Que também, brasileiramente, padecem. Fabio fala da dureza que é enfrentar dias e dias de calor e mato brabo, das burocracias a transpor para trabalhar em parques e reservas, dos marimbondos e carrapatos que às vezes têm de suportar para chegar ao besouro e à borboleta. Mas as piores ferroadas, ele reconhece, são as do tal custo Brasil. Em relação aos Estados Unidos, lembra ele, aqui um fotógrafo paga o dobro pelo equipamento, o dobro pelos filmes, o dobro pela revelação, o dobro pelas molduras, o dobro pelas ampliações para, no fim, vender pela metade do preço.
Nada disso, nem de longe, faz desistir quem cai nas teias da macrofotografia. Já nos primeiros momentos, é como uma iluminação. Fabio a teve pela primeira vez aos 7 anos no quintal de sua casa, em São Paulo, diante de uma borboleta cujas asas o impressionaram pela riqueza de cores e detalhes. Depois, em férias pelo interior do Paraná, deu de caçar borboletas com peneira de café, guardando-as um pouco dentro de caixinhas de fita cassete, para melhor estudar. No sítio da família em Atibaia, perdia-se em trilhas à cata de caracóis, gafanhotos, vaga-lumes e umas ardidas formigas-feiticeiras que, como os ardidos em geral, gostavam de carinho. A fotografia foi o meio escolhido para revelar aos outros esses primeiros espantos.
De fotógrafo tornou-se também um pouco biólogo amador, mais para entomólogo, que é a parte da ciência que trata dos insetos. Assim, com um certo flash de ciência, pode o fotógrafo organizar melhor as maravilhas que registra. Foi assim que ele, por exemplo, conseguiu situar melhor seu magnífico ensaio sobre o mimetismo animal. Por anos a fio, com paciência de apaixonado, foi flagrando todas as artes e malandragens da luta pela sobrevivência entre os insetos, do que inventa a bicharada para enganar ou impressionar seus predadores. Viu aranha virando flor, louva-a-deus virando galho, cigarrinha se transformando em graveto, crisálida de borboleta se fantasiando de folha, inofensivos insetos que se fingem de marimbondos, lagartas que tomam a forma do cocô do seu mais temido predador, o passarinho.
Em outros estudos, ele arrisca uma interpretação mais filosófica da natureza. Numa de suas exposições, tentou combinar intrigantes coincidências da natureza, surpreendendo um mesmo olhar num jacaré, numa asa de borboleta, numa asa de pássaro e no interior de uma pedra. O resultado, que abre esta matéria, é de uma perturbadora beleza. Parece que ali, para além de todos os discursos ecologistas, é a própria natureza que silenciosamente nos olha – e pergunta.
Mas o mais completo ensaio de Fabio Colombini talvez seja sobre besouros, essas jóias com asas que bem poderiam inspirar Costanza Pascolato em sua nova coleção para a H. Stern. Uns bichinhos de nada e, no entanto, pelas finas artes da macrofotografia, nos fazem chegar à própria prancheta de Deus, perguntar de que escola brincou o Supremo Designer no casco daquela joaninha – cubista, dadaísta, pontilhista? Fabio chegou aos besouros por razões estéticas, mas sabia que estava lidando com uma criatura carregada de filosofia e história. Sim, os besouros são os mais antigos, numerosos, ilógicos e futuristas bichos do planeta. No Egito o besouro era símbolo de Ra, o Deus do Sol, e parece ter inspirado a prática da mumificação. Os egípcios observavam com que paciência a pupa do besouro aguarda sua transformação e com que brilho é capaz de viver uma outra forma de vida. Ora, não é com isso que as múmias sonham?
Outra coisa que Fabio aprendeu com os besouros diz respeito, amigo passageiro, ao próprio ato de voar. Nisso eles também podem ser um belo símbolo para todos nós mortais de todas as épocas. Pesados, cascudos, desajeitados, pelas estritas leis da aerodinâmica, sabe-se que os besouros nem poderiam voar. Mas voam. Meio sem jeito, meio sem rumo, meio sem lógica, voam. Mas não é assim que todos nós vamos em frente na vida?
Bem, depois dessa só nos resta aprender a fotografar com Fabio Colombini. Ele usa Pentax, mas respeita as outras marcas. A lente que recomenda é a macro, de preferência de 100mm para não precisar chegar tão perto. A lente deve ser da mesma marca que a máquina e ter uma abertura máxima de pelo menos f.4. Para fotografar objetos muito pequenos, é bom contar com um tubo de extensão.
Com tanta tralha nas mãos, o difícil vai ser focar – na macrofotografia, em questão de milímetros já se perde o foco. Prenda a respiração, apóie o cotovelo contra o próprio corpo e segure a máquina ao mesmo tempo com leveza e firmeza. O flash pode ajudar a dar profundidade de campo e paralisar o objeto. Aproxime-se do inseto da forma mais suave e amorosa possível. As fotos que ilustram esta matéria foram feitas de 5 a 40 cm do objeto. Por isso, chegue perto, envolva-se. Fabio conta que, em seu trabalho, ele espera, rasteja, fica de joelhos, se mimetiza todo. Lembre-se: as primeiras fotos não são nada animadoras. A hora do clic é aquela em que o bicho, o galho, a folha, o fundo, o ângulo e a luz se compõem para a foto perfeita. Com tempo, se houver paixão, seu dedo e sua alma vão saber, juntos, que fração de segundo é essa.
Falando em alma. Dizem os místicos que, nalgum ponto deste variado mundo, Deus deixou escrito seu verdadeiro nome e, nele, toda a explicação do mistério da vida. É a antiga, reconfortante idéia do mundo como epifania, revelação divina, que pode parecer demasiado esotérica, mas fornece certa teologia à ecologia: ao destruir indiscriminadamente a natureza, poderíamos estar apagando para sempre deste mundo o nome único de Deus. Naquele belo conto de Jorge Luis Borges, um velho mago, quase cego, lê nas raias de um tigre as letras do sagrado nome. Quem conhece Fabio Colombini, sua alma de monge, sabe que é com esse espírito que ele nos oferece seus signos, asas de pássaros e borboletas, raias de pedras e flores, até retina de jacaré. Leia quem puder.
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EDITOR & ARTE, nº 38
MAIS PERTO DE DEUS
Nosso entrevistado enxerga em cada foto um presente da natureza e uma maneira de aproximação com Deus, com o mundo e nossas origens.
O fotógrafo paulistano Fabio Colombini, 42 anos, formou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo, e cursou Publicidade e Propaganda na Escola de Comunicação e Artes da USP.
Autodidata em fotografia, profissionalizou-se há 18 anos. Desde então vem enriquecendo seu acervo com registros da biodiversidade da fauna e flora brasileiras aprimorando a qualidade técnica e artística de cada imagem.
Seu amplo banco de imagens é decorrente de inúmeras expedições pelos ecossistemas brasileiros. Em seu trabalho, destaca-se o forte caráter gráfico, conciliando arte e ciência. A macrofotografia é a técnica mais desenvolvida por Fabio Colombini, especialista em explorar os detalhes da natureza e o mundo dos insetos.
Suas fotos ilustram mais de 1630 livros (artísticos, institucionais, didáticos e paradidáticos), 100 calendários de grandes empresas, e inúmeros guias e revistas nacionais e estrangeiras, tendo participação de 46 exposições fotográficas.
Com que idade/em que momento da vida se percebeu envolvido com fotografia? Como isso aconteceu?
O envolvimento com a fotografia foi praticamente simultâneo com o envolvimento com a natureza. Por volta de 13 anos de idade visitava com freqüência a área rural de Atibaia, e na observação da natureza foi despertada uma fascinação pelos seres vivos, por sua beleza, exotismo, sabedoria, criatividade. Então sentia necessidade de registrar as cenas que via e compartilhá-las com as pessoas. Foi então que cresceu o interesse pela fotografia.
Como se deu a especialização no tema natureza? Você chegou a fazer algum curso para entender melhor a fauna e a flora, tem a ajuda de algum biólogo ou algo assim?
O melhor professor é o contato e observação da própria natureza. Apesar de cursar a faculdade de Arquitetura, todo tempo livre eu dedicava ao estudo da natureza e da fotografia, sendo assíduo freqüentador de bibliotecas de faculdades de Biologia e Artes. Muitos biólogos e professores me ajudaram e ajudam dando dicas, orientações, classificações científicas.
Seu foco é a natureza brasileira ou fotografa em outros países também?
Tenho centralizado a atuação no Brasil, porque temos a maior biodiversidade do planeta, muita o ser conhecido e mostrado, e poucos profissionais atuando na área.
Como sua formação em Arquitetura influencia sua carreira de fotógrafo? Chegou a fazer algum curso de fotografia ou sempre foi totalmente autodidata?
A Arquitetura, assim como as Artes em geral influenciam muito positivamente na forma do fotógrafo enxergar. Na natureza não se pode manipular a luz e o assunto fotografado, portanto deve se ter uma sensibilidade aos detalhes que podem fazer uma foto boa ou não. Sentidos de composição, luz, estética que estão sedimentados na mente do fotógrafo ajudam a compor imagens mais belas. Não cheguei a freqüentar cursos de fotografia.
Cor é uma forte característica da fauna e da flora, mas você já fez experiências em P&B? O que achou do resultado?
Com o tema natureza, as poucas experiências em P&B que fiz não me satisfizeram, pois a cor tem um significado crucial na natureza, e pode ser a diferença entre a vida e a morte para muitos seres.
Você já recebeu diversos prêmios. Qual a importância das premiações na carreira de um fotógrafo e na sua em especial?
Os prêmios dão bastante incentivo à carreira, aumentam o reconhecimento profissional, e muitas vezes são o ponto de partida para que fotógrafos amadores entrem no mercado, o que justamente aconteceu comigo.
Trabalha de maneira independente? Por que não fazer parte da equipe de um veículo especializado, por exemplo?
Desde o início de minha carreira sempre trabalhei de maneira independente, juntamente com minha esposa Edna, e seja nos difíceis momentos de começo de carreira às fases mais produtivas, acostumamo-nos com a possibilidade de tomar as próprias decisões, direcionar o rumo de nosso trabalho, cuidar de forma personalizada de nossa imagem e produção. Assumimos com fé os riscos e vantagens.
Alguma foto sua já serviu de denúncia de descaso com o meio-ambiente ou já foi o primeiro registro de uma nova espécie, por exemplo?
Meu enfoque basicamente é na beleza da natureza, e através disso levar as pessoas a amá-la, e por consequência, preservá-la. Já contribui com campanhas de diversas ONGs como Fundação S.O.S. Mata Atlântica, Arca Brasil, Greenpeace, Conservation International.
Você tem como saber na hora do clique se uma foto vai sair boa ou não? Já aconteceu de você não achar nada demais em uma imagem na hora de fotografar e depois ela ser super elogiada?
Sim, dá para saber quando se consegue alguma foto especial. No exato momento em que se está fotografando, não, pois todos os sentidos e concentração estão voltados para a cena e questões técnicas. Mas logo após realizada, vem um sensação de grande alegria por ter conseguido a imagem. Essa sensação costumava se concretizar somente vários dias depois de voltar da viagem e revelar os filmes. Hoje o digital proporciona uma certeza quase imediata.
Já foi atacado por algum animal, inseto ou já ficou dias vermelho depois de um passeio na mata?
Sim, já fui ameaçado por coruja,cachorro-do-mato, jararacussu, quero-quero, tamanduá-bandeira, e atacado por todo tipo de inseto como borrachudos, mutucas, mosquitos, lagartas, carrapatos, formigas, vespas, abelhas, além de espinhos, urtigas, etc. Isso tudo é normal na vida do fotógrafo de natureza.
Quais os preparativos para ir buscar imagens em um ambiente pouco urbano, digamos assim? (repelente, vacinas, treinamentos, pesquisar sobre a espécie a ser fotografado...)
É preciso planejar com antecedência, verificar as melhores épocas para se fotografar, conhecer os hábitos dos animais, tomar vacina contra febre-amarela para algumas regiões, levar repelentes fortes em áreas de malária, disponibilizar veículo com tração, contactar guias locais e levar equipamento extra, pois na natureza eles são muito exigidos.
Existe alguma imagem mais importante/ emocionante em seu portfólio? Por que essa imagem merece destaque?
O close da onça-pintada, que é minha top model, tendo já sido publicada em várias capas de revistas e calendários, como da revista Veja, revista Jaguar (Inglaterra), Catálogo Animals Animals (Estados Unidos), Bayer e outras. Essa onça apresenta uma feição selvagem e muito expressiva, transmite dignidade e envolvimento.
Que equipamento mais utiliza?
Na produção de cromos utilizo equipamento Pentax de formato médio para paisagens, e 35mm para fauna e flora, com diversas lentes de acordo com a necessidade. Para foto digital utilizo Canon EOS. Como sou especializado em macrofotografia faço muito uso de lentes macro.
Já migrou totalmente para o digital? Como fio (ou está sendo) essa transição?
Há um ano e meio só tenho feito trabalhos em digital, e estou contente com as facilidades e recursos que ele oferece, além da segurança na obtenção de bons resultados em meio à natureza. Há ainda algumas reproduções de cores que deixam a desejar, mas as vantagens superam as limitações.
Você faz fotos que necessitem de equipamento especial? Qual tipo de foto e quais as especificações do material de trabalho?
Dependendo do assunto que se fotografa na natureza há necessidade de lentes especiais, desde grandes tele-objetivas para capturar animais de longe, até lentes macro para fotografar insetos de perto. Usam-se acessórios como flashes, difusores, cabos de disparo, tripés, monopés, camuflagens, câmeras sub-aquáticas. A quantidade de equipamento a ser carregado é dos itens que mais dificulta a fotografia de natureza, e ele está sempre sujeito a intempéries, sujeira, quedas, etc.
Qual imagem tem a história mais curiosa por trás ou foi mais difícil conseguir? Por quê?
Uma imagem muito especial foi da bioluminescência no Parque Nacional das Emas, em Goiás. É um fenômeno muito raro, no qual larvas de vagalumes iluminam as paredes dos cupinzeiros, atraindo e atacando os cupins alados. Isso ocorre num período curto e específico do ano, e por serem luzes muito tênues, houve grande dificuldade na exposição e iluminação, em pleno breu da noite no cerrado, até porque eu não tinha ainda os recursos da câmera digital.
Existe diferença em expor dentro ou fora do Brasil? O tratamento e o reconhecimento são diferentes?
Sinto que a cultura fotográfica no Brasil não é tão desenvolvida quanto em outros países, onde a própria população valoriza mais a fotografia enquanto arte. Há grandes dificuldades e limitações no Brasil, mas ao longo de minha carreira sempre encontrei pessoas que reconheceram incentivaram e apoiaram meu trabalho.
O que acha mais interessante/gratificante em sua área e o que considera a maior dificuldade?
O que considero mais gratificante á a possibilidade de estar junto à natureza e contemplar sua beleza. Essa beleza nos força a sair de nós mesmos, da rotina, do efêmero. E por analogia, pela grandeza da natureza conhecemos a grandeza do seu Autor. A maior dificuldade são os sacrifícios físicos que se impõem para obtenção das imagens, porém, quando se faz com amor, até mesmo o sacrifício gratifica.
Li em um texto seu que seu avô Ulysses também era interessado em fotografia. Você conviveu com ele? Como acha que ele te influenciou?
Meu avô era engenheiro e artista. Fotografava as araucárias e cafezais do Paraná e fazias desenhos em capas de discos. Ele faleceu quando eu tinha 8 anos, e como ele morava em Curitiba, só nos encontrávamos uma vez por ano. Mas as influências que ultrapassam as gerações são mais fortes que imaginamos, e mesmo com a pouca convivência sou muito parecido com ele. Ele deve estar intercedendo por mim.